Um motorista velhinho do interior do Paraná vira pra todos que estão dentro da van e diz: vou colocar um vídeo ótimo pra vocês. E o vídeo é colocado. Começa a passar uma vinheta que parece o início de um filme pornô. Entra o título: “cintura de mola”. Diante de tal situação, eu e mais uma mulher (as únicas da van), ficamos olhando, chocadas, com a surpresa inesperada.
O vídeo é de um grupo de forró onde todas as mulheres usam o mesmo figurino: um biquíni mínimo, desses de carnaval, todas rebolam e sacodem a bunda pra platéia, e o pior é que elas têm voz, ou seja, não são apenas uma bunda sacudindo! Os homens também usam o mesmo figurino: camisa preta e calça jeans... Pois é!
Não consegui ficar calada, não pude deixar de manifestar a minha indignação vendo tal vídeo. A outra atriz que estava na van também começou a se manifestar. Os homens começaram a ficar sem graça, o contra-regra ofendido e o motorista queria sumir alí mesmo, se encontrasse algum buraco pela frente. Um simples vídeo acabou gerando uma série de emoções e tomou uma proporção que não deveria ter tomado, afinal era só um vídeo, colocado por um senhor, motorista, do interior do Paraná, no caminho entre o hotel e o almoço, em uma tarde de Campo Mourão... Só isso.
Pra uma mulher, olhar outra sendo tratada como um pedaço de carne, como se estivesse exposta num açougue, é um pouco agressivo. Não tenho nada contra prostitutas, acho que cada um faz o que quiser com o próprio corpo. Mas não consigo entender um homem que procura uma puta. Também não tenho nada contra, mas não entra na minha cabeça um homem pagar uma mulher pra fazer sexo e achar isso normal... Enfim voltando ao vídeo...
Já no hall do hotel, esperando pela van, neste mesmo dia, a televisão estava ligada e passava uma menina, linda, que estava se candidatando a miss... Musa... Algo desse tipo. A reportagem falava da beleza dela e a câmera, gente, focava a mulher inteira, de baixo pra cima, pegando: peito, bunda, cintura... Só faltou o útero! Eu olhei aquilo e falei: nossa parece açougue! Parece escrava sendo vendida no mercado! Na época dos escravos se avaliava o material antes de comprar, só faltou mostrarem os dentes da menina. Ela estava amarradona, se achando a gostosona... E eu, com vergonha por ela... E por mim... Vergonha de ser mulher.
Então, eis que, na van, o “cintura de mola” entra em atividade. Foi aí que não aguentei e comecei a “descascar” a porra da nossa sociedade machista que coloca a mulher de biquíni rebolando e sacudindo a bunda na cara da platéia, enquanto os homens estão muito bem vestidos, até demais da conta. Se os homens estivessem de sunga e também sacudissem a bunda, acho que não me incomodaria tanto, mas não é o caso! Aí você começa a pensar como ainda vivemos em uma sociedade machista e hipócrita. Somos altamente católicos e conservadores no discurso, mas temos paradoxos chocantes como: o carnaval, o funk favela, os tchans da vida... As mulheres aparecem nuas em pêlo em desfiles na Sapucaí, mas não podem fazer topless na praia de Ipanema. No carnaval pode, mas na praia... Hipocrisia! Isso porque os homens brasileiros olham pras mulheres como um pedaço de carne, como uma bunda e não respeitam mulher. Agora eu me pergunto: A mulher se respeita? Eu me respeito?
Durante o período que eu morei na Europa eu fazia topless na praia direto. Cheguei a ver um casal pelado, se embolando na areia e só o que eu pensei foi: que barato, essa liberdade é maravilhosa. Amor livre, sexo livre, liberdade de expressão, sou totalmente a favor disso! Eu fui à praia de nudismo em Búzios e vi um cara se masturbando nas pedras... Acho que não estamos preparados pra isso ainda.
Mas voltando ao vídeo na van... Depois de falar e falar durante todo o percurso até o restaurante, depois de colocar pra fora toda a indignação com a posição da mulher, sobre machismo e hipocrisia... Finalmente chegamos ao restaurante e a cara do motorista velhinho, super humilde (sabe aquelas pessoas tão simples que chega a dar vontade de colocar no colo?), a cara dele era de tão sem graça! Ele dizia: “eu coloquei o vídeo errado, me desculpe qualquer coisa”... Até nos dias seguintes ele ainda pedia desculpa. Aí pronto, eu fiquei culpada! Me arrependi de ter aberto a boca pra criticar de forma tão rígida o que nada mais é do que a realidade! A vida é assim! A nossa cultura é assim! A maioria das pessoas engole a cultura sem questionar o que ela representa, não se para pra avaliar se é essa a cultura que vc quer pra sua vida, simplesmente se aceita o que lhe é apresentado, totalmente mastigado, pronto pra se engolir. Mas o coitado do velhinho não tem culpa! Ele não é o grande responsável por todo o machismo brasileiro, o coitado nem deve saber o que é machismo. O buraco é mais embaixo.
Então eu fui almoçar altamente culpada por ter feito um senhor se sentir mal, me sentindo péssima por ver e constatar mais uma vez que os homens olham pras mulheres como num açougue e me perguntando: até que ponto vale a pena discutir e levantar questões desse tipo? Na verdade, estamos lidando com uma questão cultural e já tão entranhada nas pessoas que não é questionada, ou seja, não vai mudar nada no mundo! O velhinho vai continuar gostando do vídeo do “cintura de mola”, a única diferença é que vai passar a esconder, não vai mostrar mais pra ninguém. Então a única conclusão que chego é de que a minha discussão só vai aumentar a hipocrisia, pois não vai mudar o paradigma dos homens que estavam dentro daquela van, só vai fazer eles se tocarem de que não podem ser espontâneos perto de algumas mulheres... Talvez tenha sido tempo perdido... Mas foi maior do que eu!