sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Lori


E porque eu tenho buscado me inteirar dos seres humanos
E porque a curiosidade de tudo o que existe me guia os dias
Comparações e questões dessa diversidade, desse cesto de frutas variadas, dessa selva amazônica, nessa floresta tropical de espíritos e almas, de pedras e flores, de águas e ares e de tudo o que existe. Do fogo às culturas de países diferentes. As línguas, as cores. O ocidente e oriente.
E porque tenho andado por aí questionando e espiando e me inteirado de mais questões que de respostas. Porque os porquês e essa maravilhosa teia de uma aranha gigante que nos envolve e nos dita os passos. Passo a passo. E porque não importa o errado, o certo, o errado é o certo, e é o que é. E não adianta pensar muito porque acaba escolhendo o que já era pra escolher (me conta Lori, mais uma vez).
E que a minha teia pessoal, interna, mental, e essa teia andam ligadas à teia maior dessa mestria grandiosa. E escrevo o que já escreveria. E esse texto já existe antes mesmo de ligar o computador.
Lori é sábia... E confusa. Na sua confusão esclarece o que pensa Clarice, e Clarice pensa o que muitos pensam. E os porquês de Clarice se parecem muito com os meus, mas descubro, um pouco decepcionada, que não sou a única (em uma conexão além do corpo com essa alma repleta de complexa trama). E, ao invés de alimentar essa distância, aceito a resposta de que não poderia ser diferente, pois somos muito próximos uns dos outros, já que viemos da mesma teia e do mesmo material e do mesmo amor.
E assim, não começo com uma vírgula, mas termino com dois pontos:

domingo, 15 de agosto de 2010

Onde foram parar as minhas certezas?

Onde foram parar as minhas certezas?

Sua natureza volátil as fez desaparecer em meio a dúvidas e medos.

Cadê meus passos certos que me levam em direções escolhidas?

Cadê?

Onde estão vocês, animais ariscos, cães arredios, garanhões farejando cio?

Que grito me dão agora, qual voz que não me chega nesse abismo de minha alma?

Me sinto acuada e paralisada qual criança castigada.

E tenho medo de me mexer. Me assusto com medo de mínimo movimento.

E me encolho quieta, nada sei.

Nunca me senti tão ao relento, vivo uma adolescência eterna, que se alterna em grande e em ingênua, em segurança e dúvidas vorazes.

Cadê a adulta de ontem que condisse com o que meus anos exigem que eu seja?

Cadê a maturidade que espero até hoje que me chegue?

Cadê aquele adulto que minha visão infantil me fez almejar idades avançadas?

Cresço e fico mais velha que meus pais... E fico mais nova do que a vida exige... E meus pais não são nada do que eram antes... E eu não me torno nada do que imaginava que me tornaria.

Cadê, meu Deus, aquela certeza que ainda ontem tinha eu aqui?

Cadê?

sábado, 24 de julho de 2010

Carne de açougue

Um motorista velhinho do interior do Paraná vira pra todos que estão dentro da van e diz: vou colocar um vídeo ótimo pra vocês. E o vídeo é colocado. Começa a passar uma vinheta que parece o início de um filme pornô. Entra o título: “cintura de mola”. Diante de tal situação, eu e mais uma mulher (as únicas da van), ficamos olhando, chocadas, com a surpresa inesperada.

O vídeo é de um grupo de forró onde todas as mulheres usam o mesmo figurino: um biquíni mínimo, desses de carnaval, todas rebolam e sacodem a bunda pra platéia, e o pior é que elas têm voz, ou seja, não são apenas uma bunda sacudindo! Os homens também usam o mesmo figurino: camisa preta e calça jeans... Pois é!

Não consegui ficar calada, não pude deixar de manifestar a minha indignação vendo tal vídeo. A outra atriz que estava na van também começou a se manifestar. Os homens começaram a ficar sem graça, o contra-regra ofendido e o motorista queria sumir alí mesmo, se encontrasse algum buraco pela frente. Um simples vídeo acabou gerando uma série de emoções e tomou uma proporção que não deveria ter tomado, afinal era só um vídeo, colocado por um senhor, motorista, do interior do Paraná, no caminho entre o hotel e o almoço, em uma tarde de Campo Mourão... Só isso.

Pra uma mulher, olhar outra sendo tratada como um pedaço de carne, como se estivesse exposta num açougue, é um pouco agressivo. Não tenho nada contra prostitutas, acho que cada um faz o que quiser com o próprio corpo. Mas não consigo entender um homem que procura uma puta. Também não tenho nada contra, mas não entra na minha cabeça um homem pagar uma mulher pra fazer sexo e achar isso normal... Enfim voltando ao vídeo...

Já no hall do hotel, esperando pela van, neste mesmo dia, a televisão estava ligada e passava uma menina, linda, que estava se candidatando a miss... Musa... Algo desse tipo. A reportagem falava da beleza dela e a câmera, gente, focava a mulher inteira, de baixo pra cima, pegando: peito, bunda, cintura... Só faltou o útero! Eu olhei aquilo e falei: nossa parece açougue! Parece escrava sendo vendida no mercado! Na época dos escravos se avaliava o material antes de comprar, só faltou mostrarem os dentes da menina. Ela estava amarradona, se achando a gostosona...  E eu, com vergonha por ela... E por mim... Vergonha de ser mulher.

Então, eis que, na van, o “cintura de mola” entra em atividade. Foi aí que não aguentei e comecei a “descascar” a porra da nossa sociedade machista que coloca a mulher de biquíni rebolando e sacudindo a bunda na cara da platéia, enquanto os homens estão muito bem vestidos, até demais da conta. Se os homens estivessem de sunga e também sacudissem a bunda, acho que não me incomodaria tanto, mas não é o caso! Aí você começa a pensar como ainda vivemos em uma sociedade machista e hipócrita. Somos altamente católicos e conservadores no discurso, mas temos paradoxos chocantes como: o carnaval, o funk favela, os tchans da vida... As mulheres aparecem nuas em pêlo em desfiles na Sapucaí, mas não podem fazer topless na praia de Ipanema. No carnaval pode, mas na praia... Hipocrisia! Isso porque os homens brasileiros olham pras mulheres como um pedaço de carne, como uma bunda e não respeitam mulher. Agora eu me pergunto: A mulher se respeita? Eu me respeito?

Durante o período que eu morei na Europa eu fazia topless na praia direto. Cheguei a ver um casal pelado, se embolando na areia e só o que eu pensei foi: que barato, essa liberdade é maravilhosa. Amor livre, sexo livre, liberdade de expressão, sou totalmente a favor disso! Eu fui à praia de nudismo em Búzios e vi um cara se masturbando nas pedras... Acho que não estamos preparados pra isso ainda.

Mas voltando ao vídeo na van... Depois de falar e falar durante todo o percurso até o restaurante, depois de colocar pra fora toda a indignação com a posição da mulher, sobre machismo e hipocrisia... Finalmente chegamos ao restaurante e a cara do motorista velhinho, super humilde (sabe aquelas pessoas tão simples que chega a dar vontade de colocar no colo?), a cara dele era de tão sem graça! Ele dizia: “eu coloquei o vídeo errado, me desculpe qualquer coisa”... Até nos dias seguintes ele ainda pedia desculpa. Aí pronto, eu fiquei culpada! Me arrependi de ter aberto a boca pra criticar de forma tão rígida o que nada mais é do que a realidade! A vida é assim! A nossa cultura é assim! A maioria das pessoas engole a cultura sem questionar o que ela representa, não se para pra avaliar se é essa a cultura que vc quer pra sua vida, simplesmente se aceita o que lhe é apresentado, totalmente mastigado, pronto pra se engolir. Mas o coitado do velhinho não tem culpa! Ele não é o grande responsável por todo o machismo brasileiro, o coitado nem deve saber o que é machismo. O buraco é mais embaixo.

Então eu fui almoçar altamente culpada por ter feito um senhor se sentir mal, me sentindo péssima por ver e constatar mais uma vez que os homens olham pras mulheres como num açougue e me perguntando: até que ponto vale a pena discutir e levantar questões desse tipo? Na verdade, estamos lidando com uma questão cultural e já tão entranhada nas pessoas que não é questionada, ou seja, não vai mudar nada no mundo! O velhinho vai continuar gostando do vídeo do “cintura de mola”, a única diferença é que vai passar a esconder, não vai mostrar mais pra ninguém. Então a única conclusão que chego é de que a minha discussão só vai aumentar a hipocrisia, pois não vai mudar o paradigma dos homens que estavam dentro daquela van, só vai fazer eles se tocarem de que não podem ser espontâneos perto de algumas mulheres... Talvez tenha sido tempo perdido... Mas foi maior do que eu!

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Comemoração

Hoje está escrito na primeira página do jornal:
"Após uma maratona de 14 horas, o senado argentino aprovou o casamento entre homossexuais..."
Acho que só temos motivos pra comemorar, sinal dos novos tempos. Estamos nos dando conta de que a mudança é necessária. A era conservadora católica está perdendo força e uma esperança desponta. Quem sabe em breve seremos uma sociedade mais tolerante e agregadora?
Em função dessa notícia resolvi postar um trecho de um livro que lí há muito tempo e adorei o modo como a autora descreve as relações em geral, naturais da vida...

Por que existem dois sexos? Pela mesma razão que cortamos as cartas de um baralho antes de as embaralharmos. A reprodução sexual é um método elegante de garantir máxima diversidade biológica. No entanto, não descreveria a qualidade essencial do fluxo de energia erótica que sustenta o universo como sendo uma polaridade feminino/masculino. Fazê-lo significa determinar os relacionamentos humanos heterossexuais como o padrão básico de todos os seres, relegando outros tipos de atração e desejo à condição de desviantes. Esta descrição não somente torna invisíveis as realidades de homossexuais e bissexuais; ela também isola todos nós, independente de nossas preferências sexuais, da intrincada dança de energia e atração que podemos sentir em relação às árvores, flores, pedras, o mar, um bom livro ou pintura, um soneto ou uma sonata, um amigo íntimo ou uma estrela distante. Pois a energia erótica inerentemente gera e celebra a diversidade....

...Em um mundo no qual o poder e o status são concedidos de acordo com o sexo, inevitavelmente nos identificamos com o nosso sexo de maneira primária. Em um mundo onde a preferência sexual é uma premissa para privilégios ou opressão, inevitavelmente nos identificamos com a nossa orientação sexual. Mas, considerar uma forma específica de união sexual como o modelo para o todo é uma limitação injusta para nós mesmos. Se pudéssemos, ao contrário, tomar o todo como o modelo para a parte, então quem ou o que escolhêssemos para amar, mesmo que estejamos sós, todos os nossos atos de amor e de prazer refletiriam a união da folha e do sol, da dança cíclica das galáxias ou o lento desabrochar do broto em fruto.

Starhawk

"A dança cósmica das feiticeiras"

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Tabu

Vi o filme “Tabu” essa semana e fiquei com ele na cabeça durante vários dias. O filme mexeu muito comigo e não conseguia entender exatamente de que forma.

Fiquei pensando no que significa a puberdade da menina e as diferenças dos meninos. Porque, nessa fase, a criança não tem apenas que lidar com as mudanças que acontecem no próprio corpo e na cabeça, ela tem que lidar com o impacto dessa transformação dentro da nossa sociedade.

A menina começa a ter corpo de mulher, mas ainda não sabe lidar com ele. Sente desejos, descobre sensações, percebe como o seu corpo desperta atenções e começa a experimentar o seu poder de sedução.

Mas, na nossa sociedade, os homens olham pra essa menina desabrochando e sentem desejo. É o mito “Lolita”. A menina se sente poderosa com essa atenção que recebe do universo masculino, mas não sabe medir as conseqüências dos seus atos. Tudo fica ótimo, como uma nova brincadeira. Mas homens adultos não estão brincando.

É um disparate, já que meninos quando estão nessa mesma fase não recebem essa atenção das mulheres. Que eu saiba, não olhamos pra um menino de 15, 16 anos e o desejamos ardentemente. O que me leva a pensar que esses meninos até gostariam que isso acontecesse.

Essa transformação é muito diferente mesmo, e as conseqüências que ela acarreta. Mas o que ficou mais marcado em mim é como as meninas são reprimidas pelos adultos. Como eles têm medo de lidar com o “poder” de sedução dessa menina e o impacto que esse “poder” tem. Acabam estimulando a esconder os seus desejos e em não seduzir nada nem ninguém, porque as conseqüências disso são muito graves (também pra eles, os adultos). Seja a mãe, que sente ciúmes do seu namorado e vê a filha como uma rival; seja pro pai, que tem medo de ver a filha como objeto de desejo e teme pela reputação dela.

Eis que uma menina de 13 anos já é vista como uma mulher (as meninas amadurecem mais cedo). Ela sente vontade de experimentar tudo o que o seu corpo está pedindo. Sente que é linda porque o vizinho casado está de olho nela. Começa a gostar da brincadeira de sedução e, sem a orientação de um adulto, não tem consciência do que está acontecendo. Orientação e não repressão! A brincadeira é séria, e quando ela tem suas conseqüências, a menina leva um susto e não sabe lidar com elas.

Quantas meninas já passaram por isso? E geralmente, quando coisas desse tipo acontecem, se escuta: A culpa é sua! É você que fica usando esse decote! É você que fica se exibindo! – Temos que lidar com várias culpas que colocam dentro de nós simplesmente por ser mulher... Não é bizarro isso?

Então: Não podemos provocar, não podemos usar roupas que mostrem algo que possa despertar o desejo do macho, porque, se isso acontece, a culpa é sua!

Não é de se admirar que sexo, ou melhor, estupros aconteçam e se diga: mas ela queria! (Lolita)... O que é preciso entender é que, uma menina de 13 anos, acha que quer, ou acha que deve querer (é muito confuso tudo isso), só que ela não está preparada pra lidar com o que tudo isso representa.

Enfim... Só gostaria que as mães se preocupassem mais em orientar suas filhas no modo de lidar com a sexualidade e a sensualidade sem reprimir a sua forma de ser mulher no mundo. Que os homens se tocassem de que, por mais que pareça uma mulher, ela é uma criança que está trocando a brincadeira de casinha pela de sedução. Que as meninas não crescessem reprimidas procurando se esconder do mundo pra não provocar reações extremas na sociedade. E que, sexo com criança, é estupro sim, mesmo que pareça que ela sabia o que estava fazendo. E que os adultos fiquem do lado delas e não achando que são culpadas por provocarem isso ou aquilo... Vejam esse filme!

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Não é estranho isso?

É normal que um homem procure sexo na rua, enquanto a mulher está grávida em casa? Não é estranho isso?

É de se entender que uma mãe seja abandonada pelo marido e coloque o filho de três anos no lugar dele? Não é estranho isso?

Que sua vida seja bombardeada por recados e scraps e mensagens e emails, e que você tenha que lidar com os seus bombardeios e... Os do seu marido. Não é estranho isso?

Que um homem de quem você era amante se torne seu marido e você tenha que confiar nele... Me diz se não é estranho isso.

Que uma velhinha que não anda direito saia antes, na frente, e espere que todos respeitem o seu tempo...

Que se pergunte se é a empregada só porque é negra, quando se trata da dona da casa... Não é estranho isso?

Que a beleza substitua o estudo e seja, por si só, uma profissão... Não é estranho, muito estranho isso?

Que meninas façam filas se oferecendo pra jogadores de futebol ... Com as mães torcendo pra elas serem escolhidas...

É como viver em um mundo de cabeça pra baixo, é como morar no Japão sem falar japonês, é como voar sem asas... Não é estranho isso?

Você abrir a porta do seu quarto de hotel e ter três mulheres nuas na sua cama...

Chegar a Porto Alegre e ler em um poste: “Fume Crack”... Não é estranho isso?

Que não tenhamos coragem de matar um boi, mas freqüentar churrascaria no domingo.

Pescar pra devolver. Conquistar pra abandonar. Iludir pra transar... Não é estranho isso?

Passar o resto da vida com culpas dos nossos pais, com raiva e rancor de uma única tarde. Deixar de ir à praia porque está gorda... Não é estranho isso?

É como andar em círculos, como correr atrás do próprio rabo. É como a vida passar pela janela ou pelo controle remoto... Não é estranho isso?

Se inspirar na Alanis e escrever esse texto... Não é irônico isso?

domingo, 27 de junho de 2010

castelos de areia


Em busca de um atalho, de um beco escuro que me tire da realidade: Esta é uma, e de repente não é mais a mesma.
Busco alguma coisa que entorpeça a dureza do mundo, do meu mundo: Que muda e se transforma com a rapidez de luzes coloridas dentro de uma noite escura.
Uma boate tocada por um DJ ruim, que muda bruscamente a música... Tento dançar, acompanhar, me adequar à sua loucura... Que é a minha.
O que será que é tudo isso? O que tudo isso representa?
Fujo de perguntas que abrirão portas obscuras do significado da vida... Desde que existe consciência o homem se faz as mesmas perguntas.
Busco a fuga em respostas que me tragam uma paz passageira, pois as perguntas só ficam no ar esperando pra baixar.
Queria ser outra pessoa, mais simples, mais “deixa rolar”... E o maior paradoxo é que acredito que possa ser quem eu quiser... Mas não posso.
E me pergunto quem sou... E acho que sei quem sou... E não sou nada do que era ontem.
Quando me surpreendo construindo castelos de areias que se desmoronam da noite pro dia... Pra construir novos palácios. Seguindo de areia em ar, de sonhos em fantasias.
Me agarrando em coisas mutáveis, escalando muros que darão em nada, em lugar nenhum, num vazio ensurdecedor dessas luzes e músicas desconexas.
Grito sem voz, música sem acompanhamento, teatro sem platéia, dança sem par.
Busco um Deus que ora existe, ora não. Um maestro que afine essa orquestra indisciplinada que insiste em tocar.
Algumas vezes me sinto tão perto dele que acho que o posso tocar.
Outras tão distante que só me resta voar.
As minhas certezas já não são tão certas e as buscas exaustivas.
Não me sinto parte desse mundo, ou de outro qualquer, não tenho idéia do meu lugar.
Caminho por corredores escuros e labirintos do meu próprio ser e não me sinto vencedora na domesticação das minhas feras... Não sei se vou passar de ano nessa vida.
E talvez esse vazio e esse sentimento de impotência e o obscuro da vida façam parte do caminhar da humanidade e acompanhem a consciência desde que o homem é homem e o mundo é cada mundo somado em um só e não um só dividido em tantos.
Cada individualidade responde pelas suas interpretações e construções de uma realidade tão própria... E tomo as dores de todos e sinto as minhas dores tanto e sigo buscando e caminhando.
Talvez a vida seja isso: realidades paralelas, castelos de areias, perguntas sem resposta... Dança sem par.
Solos que se juntam formando a dança da vida... Alguns se sintonizam por um tempo... Grupos se agrupam por alguns instantes... E se afastam... E seguimos nos nossos solos. Alguns seguem a música, alguns dançam junto músicas diferentes, alguns não dançam música alguma.
E como não há resposta e sempre há perguntas, busco substâncias que entorpeçam meus questionamentos e veículos que descarreguem minhas angustias.
Mesmo assim escolho a vida que vale a pena ser vivida. E escolho meus castelos, lindos, até o próximo sopro.
E é como eu sempre digo: ciclos e espirais que se repetem, já que o círculo da vida não é redondo.
E espero que haja um Deus, e espero que eu passe de ano nessa escola... Que eu sobreviva a mim mesma nessa vida.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Por que não o vermelho?

E foi assim...

João nasceu num mundo onde só se podia gostar do azul. Desde pequeno se sentia atraído pelo vermelho e era constantemente reprimido por seus pais.

João começou a negar o vermelho, fazia de tudo pra gostar do azul, algumas vezes até chegou a acreditar que seria como os outros... Mas o vermelho o perseguia, sempre cruzava seu caminho, parecia obsessão. Sua atração era cada vez maior e mais incontrolável. Quanto mais lutava contra ela, mais ela crescia.

João cresceu nesse mundo azul e passou a adorar o vermelho, escondido, em segredo. Seus armários eram revestidos de um veludo avermelhado, pelas ruas andava vestido de azul, mas em casa dormia em vermelho. Falava azul e sonhava vermelho.

João procurava em livros e em terapias o motivo de seu "distúrbio". Uma explicação, alguém que lhe desse uma luz sobre o que acontecia com ele. Passou anos lendo e relendo estudos científicos, teses e palpites, mas nunca encontrava uma explicação plausível pro seu problema...

Qual sociedade está preparada pra aceitar o não aceito?

Por que será que estamos condicionados a acreditar que homem gosta de mulher e mulher de homem? Será que tem relação com a mera reprodução da espécie? Não é tão simples entender que cada um gosta do que quiser?

João passou anos da sua vida achando que era uma aberração, só porque gostava de vermelho. Viveu uma vida dupla e nunca conseguiu viver plenamente a sua juventude e curtir e namorar e viver o que tinha vontade de viver. É necessário que jovens passem por esse sofrimento todo, tentando se adequar às exigências, ao que se espera que eles sejam, façam ou gostem?

Quando uma criança nasce ela pode ser destra ou canhota, imagina se a mãe força o filho a usar a direita porque "é aceito". Cada vez que a criancinha pega a colher com a esquerda, a mãe vai lá e põem na direita. Agora imagina que cada vez que ela faz isso ela diz: "Feio!"...

E se na nossa sociedade fosse natural o sexo entre pessoas do mesmo sexo e a reprodução tivesse uma conotação de amizade, independente das relações? As pessoas se relacionariam e em determinado momento se juntariam por afinidades outras, apenas com o objetivo de procriar. Talvez fosse muito mais simples, já que não haveria divórcio e nem conflitos de relacionamento durante a criação dos filhos. Amigos se unindo pra terem filhos juntos, cada um com seus amantes do mesmo sexo. Seria tão absurdo pensar isso? Não seria apenas uma questão cultural?

Se assim fosse, eu, que sou mulher e gosto de homens, seria uma "errada" nessa sociedade. Provavelmente estaria casada com uma mulher, como “manda o figurino”, e estaria infeliz. Ou estaria com um homem, em segredo, vivendo carregada de culpa e medo de que descobrissem a minha outra identidade.

Tudo por paradigmas, tudo porque não abrimos a nossa cabeça e não aceitamos o diferente como sendo apenas diferente, e não: certo ou errado.

domingo, 13 de junho de 2010

O fim

E tudo caminha pro mesmo fim.

O mesmo roteiro, aquela estória fantástica que agradou ao público.

Sabe aquele filme campeão de bilheteria? A mesma fórmula.

Termina e recomeça a mesma história, o mesmo início, o mesmo meio, o mesmo fim.

Já começo a pensar que não escrevo a minha vida, que ela é uma sucessão de repetições.

E recomeço do começo e caminho pelo mesmo destino.

Falta inteligência ou sobra teimosia.

Se esse filme já vi... Já sei onde vai dar.

Mas assisto de novo e novamente até o fim, e não acredito que o fim é o mesmo, e sempre, a mesma coisa.

O pior é que eu acho mesmo que o final mudará, que cada vez é diferente.

E, assim, repito o mesmo filme, como uma droga, como em uma crise de abstinência.

Mesmo assim, sendo como for, pago pra ver até o fim e não acredito quando ele chega...

E ele sempre chega!

Assim que o começo recomeça, caminho pelo meio e o fim não tarda.

Fecho o filme pra recomeçar o mesmo. Repetindo...

Paralisada na mesma história... Repetindo... E não mudo.

Acho que me acomodei num fim conhecido, mas não penso assim no começo.

Se eu conseguisse pensar assim, certo, talvez pudesse mudar esse roteiro, virar a página, sair desse ciclo de expirais de repetições eternas.

Mas penso como sempre pensei em todos os começos daquele mesmo filme: "Que tudo pode ser diferente."

Uma pequena mudança, um simples pensamento novo, pode mudar um grau a minha navegação e me levar pra outro continente...

Mas esse seria outro filme, e ainda não assisti tantas vezes, quantas vezes, o suficiente... Ainda acredito que ele não é ele e que pode ser diferente... Repetindo, repetindo, repetidamente.

Talvez seja falta de inteligência ou excesso de teimosia.

Ainda não aprendi o que preciso aprender com esse filme, esse mesmo filme de tantos anos. Será possível isso de novo?

Pelo menos ao final escrevo coisas sobre esse fim, e começo... A pensar se o verei novamente.

E sei que, já, já, o recomeço e a esperança voltam, junto com o fim da lembrança, recomeçando novamente o esquecimento desse fim que vivo hoje.

E o início e o meio justificam o fim, assim como o fim justifica esse texto.

E talvez esteja tudo certo, tudo justo e perfeito no universo.

E chego ao fim desse texto sem um fim próprio, apenas selando essa repetição com um ponto final.

Crucial e banal... Mas um fim... Mais um fim, pra talvez recomeçar de um mesmo começo...

Acho que perdi a noção do meu tamanho

Acho que perdi a noção do meu tamanho.

Acho que eu nunca soube o espaço que ocupo...

Onde eu termino e o outro começa.

Sempre permiti invasões de todos os lados, em todas as áreas,
de todo canto...

E me arrependo de ir até o fim... Também me arrependo de não ir.

Acho que o mundo anda sem noção de espaço.

Acho que as pessoas se perderam em limites,
até onde podemos ir sem agredir?

Até que ponto o outro corresponde ao nosso desejo sem exigir nada em troca?

Barateamos demais, por migalhas de atenção.

...E ele acha que vou quando quer...
Descobre que vou quando eu quero...
Ou eu descubro que vou quando ele quer.
...E acho que vou quando eu quero.

ou não vou...

Às vezes me arrependo de ir, mas vou pra não me arrepender de ficar.

Acho que não te deram educação
ou eu te eduquei muito mal,

Acho que não sei o meu valor e não te ensinei a me valorizar.

Acho que vc não leu nosso contrato.

Acho que não fiz contrato com vc...
Mas deveria fazer!

Deveria fazer um contrato comigo e saber, de uma vez por todas, que não estou à venda, que não sou solta, que não é só chamar pra me ter.

E digo "não" quando vc quer, e, no fundo, digo sim.

Mas vc não me lê, não me entende. Eu não me leio, não me entendo.

Acho que perdi mesmo a noção do meu tamanho, do meu valor.

Acho que essa sobra de amor, essa miséria de atenção é pouco pra mim... Costumava ser... Deveria ser... Vai ser... Ainda não é.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Pensando sobre o medo

Instinto de sobrevivência vem acompanhado de medo. O medo é fundamental pra que se proteja de situações onde nossa vida pode estar em risco, ou de outros seres. Quando vivíamos em selvas e em cavernas, tendo que fugir de ataques inesperados e tendo que lutar pelas conquistas básicas de subsistência, foi o medo que garantiu que chegássemos vivos até os dias de hoje.

As lutas que travamos na atual sociedade não são as mesmas daquela época, mas ainda possuímos os mesmos medos e instintos de preservação.

Quando uma loba prepara seu filhote pra vida ela o expõe ao perigo algumas vezes para que ele desenvolva o medo e saiba fugir e se defender. Ela aguça o instinto do filhote, e o prepara pra se defender e ser independente.

Quantas vezes ouvimos adultos falando com crianças pelas ruas, ou até dentro da nossa casa: “Não faz isso que o moço briga!” “não vai lá que o monstro pega!” “Se não dormir o bicho papão vai te pegar!”... Parece que, no nosso caso, mantemos as crianças “na linha” criando medos desnecessários e assim elas dão menos trabalho. Assim elas não vão além do nosso limite confortável e o medo instintivo da criança delimita o espaço de ação dela e o trabalho que se tem em acompanhar e proteger a criança.

É claro que não estou me referindo aos casos em que a criança está realmente exposta ao perigo.

Uma vez me contaram um caso de um índio que estava fazendo artesanato de barro e seu filho estava do lado mexendo. O índio não falava nada, mesmo sabendo que uma criança estava segurando um objeto quebrável. Claro que o objeto caiu e quebrou. O índio nada falou. Perguntaram pra ele o porquê dele não ter falado nada e ele respondeu: “agora ele sabe que quebra.”

Mesmo não vivendo mais em cavernas e entre bichos selvagens, parece que preparamos nossos filhotes pra serem presas ou predadores. Ou com excesso de ingenuidade ou com requintes de esperteza. Mas em todos os casos o medo continua presente dentro de todos nós.

Não é à toa que a síndrome do pânico se instalou no nosso século, atingindo todas as camadas da nossa sociedade, independente de classes. Talvez estejamos lutando contra inimigos ocultos de todos os lados, e nos sintamos como “cegos em tiroteio”, acuados, sem saber o que fazer ou como se defender.

“Ter medo é ser fraco”, é assim que aprendemos. Se nos deparamos com algo que gera medo, a atitude comum é fingir que ele não existe e “bola pra frente” “enfrentemos nossos medos e seremos vencedores”... Mas o medo existe e não é racional, é instintivo. Se ele não é respeitado pode crescer desmedidamente e se tornar um monstro gigante, aí passamos a ter medo do próprio medo. Aí o medo te faz paralisar diante de você mesmo.

Temos medo da morte e é esse medo que faz com que continuemos vivos. A natureza é sábia! Se aceitarmos que o medo é natural e é uma coisa boa, talvez ele jogue no nosso time. Se respeitarmos o direito que o outro tem de temer algo, mesmo que pra você seja bobo, passaremos a conviver com o medo de uma forma mais pacífica.

Talvez...

sábado, 29 de maio de 2010

Te quero

Eu não te queria, e não te quero

Mas queria continuar tendo a possibilidade de te querer

Não que eu fosse querer... Não, não iria

Mas agora que não posso mais querer e que o seu querer não é mais meu,me pergunto se te quero, se te quis

Agora, que seu coração é de outra, resolvo te querer

mas te quero me querendo e não te quero por querer

Por hábito ou vaidade, te quero sem querer

Quando te tinha não te quis

Quando te perdi quis o seu querer de volta, achando que te queria

E de todo o meu ser quis me entregar, e era tão grande o querer que o fiz

Fiz e descobri que, no final, mesmo assim... Eu não te quis

Mas continuo querendo que vc me queira

sábado, 1 de maio de 2010

A espera


Sentada em um bar numa noite de sexta feira no rio de Janeiro, vi, do outro lado da rua, em outro bar, o homem da minha vida. Ele não me viu! Antes que pudesse me ver, levantou e foi embora. E eu, tão perto e tão distante, o vi se afastar e sumir na esquina de uma rua qualquer de Botafogo.

Na mesa ao lado, vizinho do mesmo bar, estava um mineiro, arquiteto, óculos de grau e mochilinha da Nike. Me olhava e tentava se aproximar. Me olhava e olhava Paula. Paula conversava e falava coisas de amor e tinha o coração apertado. Paula esperava notícias de São Paulo, e eu, tinha acabado de deixar São Paulo pra trás.
O vizinho ouvia nossa conversa e fingia que não ouvia, esperava e esperava alguma brecha, alguma “deixa” onde ele pudesse entrar. Eu esperava que não conseguisse, esperava que não se aproximasse e esperava que o homem da minha vida voltasse e aos meus pés se ajoelhasse. Esperava.

Eu esperava, Paula esperava e o vizinho esperava.

Uma terceira pessoa chegou. Uma pessoa do passado de Paula e do presente do vizinho. Homem de épocas de play e de salada mista, onde coisas sérias eram brincadeiras e descobertas. Um garoto perdido pelos anos como história pra contar com início, meio e sem fim... Até essa noite comum, naquela rua qualquer, em um bar de Botafogo.

Chegou aquele, direto do túnel do tempo, que ligou três pessoas num bar, aquele que acabou com a espera de Paula, quando tinha 16 anos, aquele que acabou com a espera do vizinho por uma brecha pra se aproximar. Naquela noite qualquer... Poderia ser qualquer outro, mas foi ele quem chegou... Uma daquelas conexões do universo, onde não se encontra lógica, onde não se explica nada.

A gente sempre espera alguma coisa. As esperas se transformam e caminham em círculos espirais, porque algum detalhe sempre muda. Algumas vezes esperamos coisas que não deveríamos esperar. O vizinho terminou a noite arrependido de esperar se chegar.

A espera de Paula por notícias de São Paulo, virou uma espera pela lua em outro lugar. Essa espera acabou quando encontraram a lua iluminando o cristo em um apartamento, no alto de um prédio em outro ponto de Botafogo. Hoje Paula espera notícias desse mesmo lugar.

E eu, como escrevo esse texto, posso esperar o que quiser... Espero o verão chegar. Espero aquele homem voltar.

Eis o acontecido, eis a espera do outro lado da rua:

Estava o senhor K. Sentado em um bar, numa noite de sexta feira com um amigo do trabalho. Tinha os cabelos negros e uma barba grisalha. Bebia e fumava como se fosse uma noite qualquer.

Passou os olhos sem interesse, entre uma frase e outra, pelos bares ao redor, sem esperar nada, apenas como um ato natural de quem fala coisas de bar. Seu olhar se detém ao ver a mulher da sua vida, aquela pela qual havia passado esperando, até aquela noite vulgar.

Naquela noite, que seria mais uma noite qualquer, ele sentiu que uma de suas esperas havia chegado ao fim e sua respiração se prendeu naquela imagem. Um terror enorme lhe invadiu a alma; algumas esperas são perigosas quando chegam ao fim.

Sr. K. esperou o tempo necessário pra tomar uma decisão (aqueles momentos cruciais em que fazemos nossas escolhas e delas se define todas as nossas esperas futuras). K. continua esperando... Esperando decidir alguma coisa, mas sente que seu corpo paralisa diante do inesperado... Inesperado, mas que, numa contradição louca (como é a vida), se trata de algo tão esperado, por tanto tempo, esperado e sonhado desde que Sr. K. se entendeu como um ser que sonha, um ser que espera.

E, agora, sentado na mesa de um bar comum, naquela sexta feira, K. espera decidir ir ao encontro daquela espera de anos, daquela fantasia.

Então, ele pede a conta, e a espera da conta é mais suportável do que a espera da aproximação no bar da frente. K. respira aliviado por poder esperar outra coisa, por poder adiar o fim da espera anterior.

Quando a conta chega e a espera chega ao fim. K. se esquece da espera anterior e, sem saber, faz sua escolha. A fantasia ganha, e algumas nunca devem deixar de ser o que estão destinadas a ser: esperas eternas.

E eu, do outro lado da rua, vejo o Sr. K. (aquele que estava destinado a ser o homem da minha vida) que se levanta e caminha de costas se afastando e sumindo na esquina torta da vida... E passo o resto da noite esperando que ele volte... Mas, por hora, espero apenas a conta chegar.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Hoje acordei com o interfone, o porteiro disse: "Campainha Toque-Toque"


Acho que tenho toque

Mania de toque

Me toco das coisas num toque

Observo o último retoque

Espero que o mundo me toque

Tenho certeza de que tenho toque

Sozinha me toco

Nos momentos, acho que me toco

Espero que me toque

É bom quem se toca...

Com meus pés o chão eu toco

Na mente não toco

Voando não sei se toco

Mas sinto quando vc me toca

Adoro seu toque

quarta-feira, 21 de abril de 2010

da série aprendendo a ser só


Eu acreditei que seria até a morte, que nada, além da morte, acabaria com esse amor. Onze anos de casamento e nenhum filho. O sonho de ser pai sempre esteve presente, como um fantasma que rondava pelos cantos da nossa casa. Eu tantas vezes maldisse meu corpo, meu ventre e minha feminilidade por não dar ao meu homem o que ele tanto queria. Um filho! É pra isso que um corpo de mulher é feito! Que mulher sou eu que não posso gerar um filho? Sou mulher, a sua mulher e vc é meu, meu homem... Só nós dois e ninguém mais... Nenhum filho.

Agora esse fantasma me persegue dentro de mim, nos meus pensamentos, nos meus pesadelos e no fim do nosso casamento... 48 anos, prazo de validade vencido, é definitivo! Me sinto cercada, acuada, sem saída. Só me resta ir embora. Largar onze anos de vida, onze anos de história, onze!

Ai minha mãe! Que morreu com a minha idade de dor de amor! Mãe, dai-me a força que não encontro, não sei se tenho. Ilumina os meus passos no recomeço de uma vida tardia. Qual direção tomar? Pra onde devo ir? Estou prestes a destruir a minha casa e ficar ao relento, sozinha na imensidão do mundo. Preciso caminhar em direção ao meu coração e descobrir a proteção de um teto novo, que me acolha até a tempestade passar. Preciso, eu mesma, me abrigar da fúria do destino, desse vendaval que sopra levando cada pedacinho construído com tanto amor de onze anos de vida.

Paralisada, contemplando a destruição de mim mesma e, sem saída, parar e parar e olhar, contemplar. Dou adeus a cada parte e estremeço quando vejo o fim inevitável, falta pouco pra voar.

Como se faz isso, mãe? Como se aprende novamente a andar com meus pés, a tomar as minhas decisões sem os braços desse homem, que ainda amo, pesando, confortando, sobre meu corpo enquanto durmo? Existe saída pro renascimento depois de uma morte violenta?

Estou fragilizada e desamparada. Um corpo estendido no chão de uma casa abandonada em posição fetal. Espero que uma luz divina entre pelos buracos no alto e arranque do meu corpo essa dor que me consome. É preciso se reerguer, preciso me levantar e comer, mas não aguento o peso de meu corpo, não sei mais como ele funciona. Perdi o manual dessa máquina abandonada de matéria condensada. Meus movimentos já não me pertencem e não sei como me vejo caminhando pelas ruas sem destino, por uma cidade que não reconheço mais.

Passo a passo, meus pés caminham sozinhos, não me dizem onde me levam e apenas deixo que me levem.

Como pode que esse dia tenha chegado? Se me vi tantas vezes em idades avançadas com vc ao meu lado, em coisas banais de velhice, do cotidiano de quem passou uma vida junto. Como pode vc agora vir me falar de vôos mais altos, de novas experiências onde eu não participo, não faço parte. Como pode vc não me reconhecer e me falar de separação? Não sabe mais quem sou eu? Com qualquer outra vc poderia falar assim... Mas eu sou aquela que te conhece como nem mesmo vc se conhece, aquela que respira o ar que vc não quer mais quando dorme. Sou aquela que dorme embriagada pelo seu hálito adormecido. Sou aquela que não sabe mais viver sem vc. Sou eu, essa mulher pesada, se arrastando pelas ruas de uma cidade estrangeira, sem destino, sem controle, sem lembranças de mim antes de vc, sem a menor idéia da mulher que fui ou posso ser.

Mãe! Vc está me ouvindo? Me coloca no seu colo, preciso dormir, preciso de paz. Mãe, seu amor consumiu o seu corpo e buscou a morte com 48 anos. Será esse o destino das mulheres da nossa família? Uma espécie de karma de gerações? Estarão meus pés me levando ao seu encontro? Já não sei mais onde estou.

Não posso, não quero! O resto de lucidez que ainda possuo me faz desejar a vida e um átimo de esperança que me resta me faz sonhar, mesmo que por segundos, com um dia melhor. Acredito que tenho um poder de mulher, que acompanha todas as gerações de bruxas pela história do mundo. Mesmo que esse poder não apareça mais em nenhum sol de dia, ou em nenhuma noite de lua, mesmo assim, essas mulheres não abandonam uma filha indefesa e sopram seus cantos nos meus ouvidos, até que eu possa recuperar a audição. Sopram, com paciência feminina, palavras de amor e esperança até me fazerem dançar a dança do universo que só as mulheres conhecem.

Ah mãe! Agora silêncio! Que eu entregue esse corpo estranho aos braços das horas e que ele descanse pra mais alguns minutos de paz. Sonhando com lembranças de uma vida ao lado de um homem passado. Que o prazer dos sonhos me sustente por mais algumas horas, que seja. É neles onde encontro forças pra chegar até a próxima noite.

Espero por um dia em que eu acorde e saiba viver só. Em que meus braços me acalentem como os dele faziam, e que meus pés me levem onde eu deseje estar. Um dia onde eu olhe meu reflexo em algum lugar, em um momento qualquer, e reconheça a imagem de uma mulher que sou e nasci pra ser.

Silêncio minha mãe! Que amanhã recomece o seu canto, as suas palavras ao meu ouvido, até a noite seguinte, e assim por diante, até o dia em que, erguida, cantarei seus versos pra outra mulher. Seguimos assim, descobrindo que ser mulher é gerar e dar vida aos seres, seja essa vida em palavras, em magia ou em filho. Mesmo sem gerar o filho de meu homem, eu gero vida pelos caminhos e buracos dos meus passos. E isso ninguém apaga ou me tira... Agora silêncio! Que eu sonhe por uma noite!

Caminhando, pensando e seguindo


Ando viajando pela vida. Ando surfando por aí

Ando navegando por mares distantes e aprendendo o que posso com meus passos.

Filha da vida e do mundo, sozinha, to na estrada...

Acho que falo demais, acho que desejo demais, sou exagerada demais, tudo é demais em mim

Se é pra sofrer, então vamos sofrerrr
Se é pra beber, então vamos beberrr
Se é pra amar, então ...

Em cada lugar novo que chego encontro pessoas novas. Nasci na estrada, ela é a minha casa...

Acho que fui cigana em outra vida.

Também acho que já fui sereia e minha mãe é Yemanjá

Em um porto de minhas andanças ela me foi trazida por um homem desconhecido, que perdeu a fala ao me ver, só consegue me escrever e escreve coisas de amor sem me conhecer.

Em uma tempestade perigosa me levaram ao seu encontro e fez-se a calma, a paz
Em um sonho de uma amiga eu me casava de azul como Ela, mãe Yemanjá.

Quando nasci me deram um de seus nomes e ela me abençoou com sua força

Sem porto seguro e sem destino certo continuo o meu tropeçar vagabundo pela vida

Uma hora aqui, outra acolá

Lugares que se contradizem, um anula o outro e confundem meu caminhar.

Mas quero demais, quero o ouro e o branco... E também o negro, o obscuro

Costumo me perder em meus desejos, quero demais, demais, tudo é demais da conta em mim

Eu talvez não saiba que sou apenas uma e quem sabe não seja mesmo

Não sei de nada, sei que ando viajando pela vida e sei que nasci pra navegar.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Se eu roubei teu coração Foi porque Só porque te quero bem


Acordo de um sonho violento, de uma noite mal dormida

Encaro pesadelos de fora e sonho com seus inimigos

Sou você nos meus sonhos

Corro de pessoas e situações que não me petencem

Que chegam na minha vida e me pergunto: o que tenho a dizer?

Quais são as respostas certas pra uma angustia que me cerca?

Encaramos os fantasmas eternos de toda existência, viva, que respira

E seus monstros já não são tão estranhos assim

Exercitamos nossos exércitos, mantemos eles em forma, “just in case”

E nunca os usamos, pois, na hora “H” corremos da raia como crianças acuadas.

Por que se preocupar tanto em ser ou ter, o que esperam da gente?

Já não separo mais os meus pesadelos dos que me chegam

E suo, e grito, durante toda noite, a sua loucura.

Onde terminou a minha e começou a sua, ou a dela?

Depois de sonos e mais sonhos, ando pelas ruas sonhando

Esbarro em pessoas dormidas, que me olham, olhares de fora, iguais aos meus

Me identifico com os seres que vagam pela cidade fugindo da noite anterior, com seus exércitos adormecidos e seus poderes paralisados pelo medo.

Somos apenas um e os mesmos

Todos acordados, nessa interseção que é o momento de vigília
e a próxima noite

Nos olhamos e não nos vemos, sentimos e não entendemos.

A sua dor me é simpática

E grito sem som, todas as dores do mundo que me chegam e me tocam sem eu saber.

Inimigos indefesos, sem cara, sem expressão, sem máscaras, apenas caos e matéria informe.

Quero abraçar a todos, quero colocar todos pra dormir no meu colo e cantar uma música de amor.

Ah se eles soubessem o que eu sei, ah se eu soubesse o que eu sei...

Sei tanto! Mas existe um abismo mortal entre o que se sabe e o que se pratica

Sei o que devem fazer, mas sei que eu não saberia fazer.

Então o que eu tenho a dizer pra alguém? Nada!

Só posso te colocar no meu colo e te fazer dormir, cantar uma música que fale de amor e esperar que sejam esses os seus sonhos dessa noite.

E, amanhã, quando encontrar seus olhos apavorados, perdidos pela cidade, fugir desse encontro

Pra que vc não veja o medo que tem dentro de mim, os meus, os seus, os de todos
Pra que me mostre forte, mesmo sem ser.

E pra que o seu olhar não descubra a fragilidade que escondo nos meus olhos.

E assim, eu possa seguir sofrendo a dor do mundo e amparando os seus devaneios, te trazendo a paz que não tenho, mas ainda posso te dar.

Pra que vc durma um sono tranquilo, mesmo que o meu não seja.

E que eu grite um grito de dor sem som, pra não te acordar.

Que eu desperte meu exército adormecido pra te defender.

E que alguém, no mundo, pelo menos por uma noite, sinta esse amor e durma em paz.





Se essa rua
Se essa rua fosse minha
Eu mandava
Eu mandava ladrilhar
Com pedrinhas
Com pedrinhas de brilhante
Só pra ver
Só pra ver meu bem passar
Nessa rua
Nessa rua tem um bosque
Que se chama
Que se chama solidão
Dentro dele
Dentro dele mora um anjo
Que roubou
Que roubou meu coração
Se eu roubei
Se eu roubei teu coração
Tu roubaste
Tu roubaste o meu também
Se eu roubei
Se eu roubei teu coração
Foi porque
Só porque te quero bem

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Oração de mulher



Ai, forças da natureza que me envolvem num manto de coragem.

Que saiam de todos os cantos ocultos da terra

Que se unam em comunhão com esse ser que clama por sua presença

Que venham ao meu encontro e me impulsionem aos céus

Ai, mães e mulheres sábias que velam por nossas matas e nossas águas

Que velem meu sono nesse momento de turbilhão quando a vida me obriga a amadurecer

Lindas mulheres, que conhecem os segredos das ervas e do amor, que alimentam a vida e curam suas feridas, que semeam por onde passam e acalmam o coração de quem clama por vossa presença

Pois eis que chamo por vcs, mulheres sábias, mães de todas nós.

Que o poder de ser mulher, concedido à mim nessa existência, seja um elo entre nós e o caminho de vcs até mim

Que venham! Lindas e poderosas mulheres, com suas armas, com seus escudos e me ensinem o que sabem.

Que me ajoelho diante de vós como filha e aprendiz dos poderes ocultos do feminino

E, assim, vivo de acordo com essa ligação de fé, força e coragem, diante da estrada da vida.

Que eu descubra a intensidade e o tamanho da força que possuo dentro do meu corpo, de meu ventre.

Que nossos caminhos secretos e nossos tesouros abençoados, guardados por todas as mulheres armadas de intuição e sedução, não sejam jamais revelados.

Que eu veja, mãe!

Que eu aja, mãe!

Que eu guarde, mãe

Que eu me entregue, mãe

Que eu escute e ouça, que eu sinta e saiba.

Que eu assuma o poder iniciático de minhas ancestrais, que velam meus dias e intuem meus caminhos.

Que eu me vista com suas doces armaduras pronta pra luta do amor.

Que nossas armas me conduzam por entre matas fechadas e iluminem meu caminho na noite escura.

Para a luz e para cima

Para o amor e para a vida

Que assim seja.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010



O tempo que passa e parece que tudo está lento

As horas voam e parece que nada anda

Me abraço aos minutos de dias atrás

Agarro alguns instantes que me arrebataram do chão

Vou seguindo com o meu dia e os nossos dias intercalam com as horas dos meus passos

Ando pra frente e minha mente volta no tempo

Em cada passo dado vejo seus olhos no supermercado

Leio um livro e viajo no seu sorriso

Sua voz ecoa nos meus pensamentos e as horas já não andam como andavam antes

As horas passadas se misturam nas horas presentes dos meus passos

E, passo a passo, pé ante pé, ando pra frente e para atrás

Esperando, Espero e ando nas horas futuras

Esperando que esse ser do passado me venha nos próximos instantes

Que o passado me chegue no futuro na forma de um homem

E que, novamente, eu seja arrebatada do chão no presente

Que vira passado

Para que, no futuro eu espere igual espero hoje

Mas com a certeza de que vc conhece o caminho de casa e me siga nos meus novos
passos.
Espera, esperando