sábado, 24 de julho de 2010

Carne de açougue

Um motorista velhinho do interior do Paraná vira pra todos que estão dentro da van e diz: vou colocar um vídeo ótimo pra vocês. E o vídeo é colocado. Começa a passar uma vinheta que parece o início de um filme pornô. Entra o título: “cintura de mola”. Diante de tal situação, eu e mais uma mulher (as únicas da van), ficamos olhando, chocadas, com a surpresa inesperada.

O vídeo é de um grupo de forró onde todas as mulheres usam o mesmo figurino: um biquíni mínimo, desses de carnaval, todas rebolam e sacodem a bunda pra platéia, e o pior é que elas têm voz, ou seja, não são apenas uma bunda sacudindo! Os homens também usam o mesmo figurino: camisa preta e calça jeans... Pois é!

Não consegui ficar calada, não pude deixar de manifestar a minha indignação vendo tal vídeo. A outra atriz que estava na van também começou a se manifestar. Os homens começaram a ficar sem graça, o contra-regra ofendido e o motorista queria sumir alí mesmo, se encontrasse algum buraco pela frente. Um simples vídeo acabou gerando uma série de emoções e tomou uma proporção que não deveria ter tomado, afinal era só um vídeo, colocado por um senhor, motorista, do interior do Paraná, no caminho entre o hotel e o almoço, em uma tarde de Campo Mourão... Só isso.

Pra uma mulher, olhar outra sendo tratada como um pedaço de carne, como se estivesse exposta num açougue, é um pouco agressivo. Não tenho nada contra prostitutas, acho que cada um faz o que quiser com o próprio corpo. Mas não consigo entender um homem que procura uma puta. Também não tenho nada contra, mas não entra na minha cabeça um homem pagar uma mulher pra fazer sexo e achar isso normal... Enfim voltando ao vídeo...

Já no hall do hotel, esperando pela van, neste mesmo dia, a televisão estava ligada e passava uma menina, linda, que estava se candidatando a miss... Musa... Algo desse tipo. A reportagem falava da beleza dela e a câmera, gente, focava a mulher inteira, de baixo pra cima, pegando: peito, bunda, cintura... Só faltou o útero! Eu olhei aquilo e falei: nossa parece açougue! Parece escrava sendo vendida no mercado! Na época dos escravos se avaliava o material antes de comprar, só faltou mostrarem os dentes da menina. Ela estava amarradona, se achando a gostosona...  E eu, com vergonha por ela... E por mim... Vergonha de ser mulher.

Então, eis que, na van, o “cintura de mola” entra em atividade. Foi aí que não aguentei e comecei a “descascar” a porra da nossa sociedade machista que coloca a mulher de biquíni rebolando e sacudindo a bunda na cara da platéia, enquanto os homens estão muito bem vestidos, até demais da conta. Se os homens estivessem de sunga e também sacudissem a bunda, acho que não me incomodaria tanto, mas não é o caso! Aí você começa a pensar como ainda vivemos em uma sociedade machista e hipócrita. Somos altamente católicos e conservadores no discurso, mas temos paradoxos chocantes como: o carnaval, o funk favela, os tchans da vida... As mulheres aparecem nuas em pêlo em desfiles na Sapucaí, mas não podem fazer topless na praia de Ipanema. No carnaval pode, mas na praia... Hipocrisia! Isso porque os homens brasileiros olham pras mulheres como um pedaço de carne, como uma bunda e não respeitam mulher. Agora eu me pergunto: A mulher se respeita? Eu me respeito?

Durante o período que eu morei na Europa eu fazia topless na praia direto. Cheguei a ver um casal pelado, se embolando na areia e só o que eu pensei foi: que barato, essa liberdade é maravilhosa. Amor livre, sexo livre, liberdade de expressão, sou totalmente a favor disso! Eu fui à praia de nudismo em Búzios e vi um cara se masturbando nas pedras... Acho que não estamos preparados pra isso ainda.

Mas voltando ao vídeo na van... Depois de falar e falar durante todo o percurso até o restaurante, depois de colocar pra fora toda a indignação com a posição da mulher, sobre machismo e hipocrisia... Finalmente chegamos ao restaurante e a cara do motorista velhinho, super humilde (sabe aquelas pessoas tão simples que chega a dar vontade de colocar no colo?), a cara dele era de tão sem graça! Ele dizia: “eu coloquei o vídeo errado, me desculpe qualquer coisa”... Até nos dias seguintes ele ainda pedia desculpa. Aí pronto, eu fiquei culpada! Me arrependi de ter aberto a boca pra criticar de forma tão rígida o que nada mais é do que a realidade! A vida é assim! A nossa cultura é assim! A maioria das pessoas engole a cultura sem questionar o que ela representa, não se para pra avaliar se é essa a cultura que vc quer pra sua vida, simplesmente se aceita o que lhe é apresentado, totalmente mastigado, pronto pra se engolir. Mas o coitado do velhinho não tem culpa! Ele não é o grande responsável por todo o machismo brasileiro, o coitado nem deve saber o que é machismo. O buraco é mais embaixo.

Então eu fui almoçar altamente culpada por ter feito um senhor se sentir mal, me sentindo péssima por ver e constatar mais uma vez que os homens olham pras mulheres como num açougue e me perguntando: até que ponto vale a pena discutir e levantar questões desse tipo? Na verdade, estamos lidando com uma questão cultural e já tão entranhada nas pessoas que não é questionada, ou seja, não vai mudar nada no mundo! O velhinho vai continuar gostando do vídeo do “cintura de mola”, a única diferença é que vai passar a esconder, não vai mostrar mais pra ninguém. Então a única conclusão que chego é de que a minha discussão só vai aumentar a hipocrisia, pois não vai mudar o paradigma dos homens que estavam dentro daquela van, só vai fazer eles se tocarem de que não podem ser espontâneos perto de algumas mulheres... Talvez tenha sido tempo perdido... Mas foi maior do que eu!

8 comentários:

Anônimo disse...

Jana

Questão complexa essa. Realmente esse "açougue" é desagradável. Mas já ficou banal. E não é exclusividade brasileira não... rola em outros países também. Há mil vídeos americanos do mesmo gênero, por exemplo.

Na Alemanha o povo toma sol pelado nos parques... e se alguém ficar olhando com "segundas intenções" leva bronca. Por um lado acho lindo, como você. Mas por outro sei que para eles o corpo é meio desprovido de sexualidade. E eu não quero que o meu seja...

Resumindo... Sei lá. rss

Beijos,
Deb.

Jana disse...

É a conclusão de sempre: sei lá!

O corpo é feito pra ser admirado e desejado, é lindo! No caso dos alemães, não acho que seja um corpo desprovido de sexualidade. Assisti uma peça em Berlin que tinha uma cena altamente sexual e explícita. O sexo e o corpo são tratados de uma forma mais natural lá. Aqui, a mesma cena, seria um choque! Mas somos um povo que transpira sexualidade, é um paradoxo!
O que me incomoda é a venda do corpo, é a prostituição ignorante, pois a mulher acha o máximo ser uma bunda, estampar ela num vídeo e vender seu corpo como se fosse carne num açougue... Enfim... Sei lá.

Anônimo disse...

Ahh... eu acho os alemães altamente assexuados. Por várias coisas, não apenas essa de tomar banho de sol pelado. A sauna é coletiva, todo mundo pelado também. Os namorados passeiam pela rua com a mão na bunda uns dos outros, sem que isso tenha nenhuma conotação sexual...

Mas é claro, são relações diferentes com corpo e sexualidade. Outra cultura. E a nossa é muito sexualizada, e ao mesmo tempo muito mais carenta. Paradoxos...

Ser carne de açougue é a profissão de muita gente. Mas cuidado... se a gente começa a radicalizar essa ideia, pode chegar no ponto-limite no qual qualquer exposição de imagem poderia ser considerada carne de açougue, e não apenas a da bunda ou dos peitos.

Enfim... cada um mostra o que tem para mostrar. Alguns, grandes qualidades, inteligência, beleza, senso de humor. Outros... a bunda. rsss

Beijos,
Deb.

Anônimo disse...

PS - Carenta - careta.

Jana disse...

Por que é "sem conotação sexual"? Como eu coloquei no post anterior: acho que tudo é sexual, as amizades são sexualizadas, as famílias são, até a natureza é sexual... Por que não teria uma conotação sexual a relação deles com o corpo? De um amigo com a mão na bunda do outro... Isso não é sexual? Meninos que lutam e forçam um contato físico... Não é sexual? Claro que os alemães são sexuais, só não existe a repressão católica de pudores e culpas, o que acaba gerando ainda mais obsessões com a sexualidade.
Eu não estou me referindo neste tópico a exposição corporal qualquer, coloquei até o fato de ter visto um casal pelado na praia em Barcelona e ter achado o máximo. Amei assistir ao espetáculo em Berlin e ver aquela cena incrível de sexo. Não tenho nada contra a exposição do corpo e, a última coisa que sou na vida é careta ou conservadora. Só pra deixar claro: Estou me referindo ao exercício de expor o corpo pra colocá-lo à venda quando, claramente, a menina que está exposta não pára pra pensar no que isso significa. Se vc pega uma Madonna, ela sabe exatamente o que está fazendo e sabe como fazer. Ela sabe onde quer chegar com isso. Mas algumas mulheres se vendem de uma forma tão barata, por tão pouco e não parecem ter a mínima consciência do que estão fazendo... Enfim... É esse tipo de açougue e exposição corporal que me refiro no post.
beijos

Anônimo disse...

Eu sei, Jana, entendo. E sei que você não é careta nem moralista.

Quanto à mão na bunda... para mim a impressão que passava era que a bunda para eles era como o braço ou as costas. Algo assexuado.

Quanto ao expor o corpo sem parar para pensar... não sei. Realmente não sei o que vai pela cabeça dessas meninas, se elas têm consciência dessas questões. Talvez até tenham, e absolutamente não se importem. Talvez considerem essa a sua única alternativa para ganhar algum dinheiro. Deprimente? Também acho.

Beijos,
Deb.

Mauricio disse...

Nunca fui à Europa e não sei ao certo como as coisas funcionam por lá, a não ser através da mídia, filmes e livros. Mas eu moro aqui no Rio de Janeiro, Brasil. E o que vejo, não só no assunto sexual, é uma grande hipocrisia que se arrasta desde há muitos anos. Estudei com alguns colegas que faziam uma distinção entre as mulheres. Tem mulher pra fuder e mulher pra casar. Sempre achei isso uma idiotice enorme. A minha mulher é pra fuder, pra casar e pra várias outras coisas e, jamais, um simples objeto catalogado pra isso ou aquilo. Entendo a postura da Jana mas tenho um visão um pouco diferente. Talvez já esteja velho demais para criticar essas coisas e novo demais para ser moralista e acomodado. Então eu prefiro viver a minha vida e deixar que as pessoas vivam as delas. Quanto à bunda, na minha opinião, é uma qualidade, por que não?

video porteiros disse...

Meu ... É muito bom ver que nosso vídeo já é um sucesso antes de entrar no ar. Deve dar uma dor de cabeça para ver um vídeo com tão muitas verdades e bela imagem do nosso povo.